segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Crônica do "homem-fluido", ou A Correnteza, ou A Dissolução

Debaixo de uma cachoeira, ele gritou. Gritou de dor, raiva, tristeza, insanidade. Libertou-se de toda a frustração, o ódio de si mesmo. Expurgou toda obsessão e mania. Depois, atirou-se às águas do rio. Deixou-se flutuar, apesar da correnteza, enquanto esvaziava a mente e o peito. O cabelos molhados dançavam molemente, enquanto o corpo nu mantinha-se imóvel como morto. Ali, não era homem, não era bicho, não era planta. Não era irmão, não era filho, não era amigo, nem amante. Era água. Tal água do rio, fluía para fora e para longe de sua própria realidade. Era frio, volúvel e imparcial. Conseguia passar pelas fendas estreitas entre as pedras do percurso, transpor os obstáculos mais difíceis. Podia ver-se em queda livre e sair ileso.
O minutos passavam. Começava a sentir o corpo mais leve. Atribuiu a sensação ao relaxamento dos músculos e ao esvaziar constante de sua mente e de seu coração. Imaginava-se água, fantasia necessária para a fuga. Mais e mais a leveza tomava conta de seu ser. Começava a se sentir volúvel, solúvel, fluído. Logo, aquela sensação ganhava estranheza, pois parecia dissolver-se a si próprio. Sentia o corpo virando água! Não ousou se mexer. Não ousou olhar para si. Gradativamente, cada pedaço de pele, cada fibra de músculo, cada parcela de osso se misturava ao rio. Logo, não só seu físico, mas sua mente e seu espírito se entregavam a sua estranha dissolução. Já começava a sentir, olhar, ouvir e pensar como água. Como tal, compreendia o fluxo do rio, sua trajetória, seu rumo, seu ciclo. Vislumbrava seu encontro com o oceano, onde iria desaguar e fundir-se com as correntes marítimas, para depois, mais tarde, voltar a ser rio. Compreendeu, tão logo dissolvia-se, o cliclo da própria existência.
Então, entregou-se. Fundiu-se com as águas e partiu junto com a correnteza.

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