segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Em cativeiro

De vez em quando vejo a Morte passar pela janela...

Daqui da gaiola, minhas visões são um quarto finamente mobiliado, minuciosamente arrumado, e uma janela que dá para um jacarandá mimoso. A porta se abre às vezes, e por ela passa o homem que me capturou. A ele bastou um punhado de alpiste e uma caixa de papelão. Só isso. E cá estou eu, engaiolado. Antes da gaiola eu voava. E cantava, naturalmente, como os rouxinóis costumam fazer. No dia em que perdi minha liberdade, eu voava longe do ninho, inadvertido dos homens que amam pássaros. E o amor dos homens geralmente aprisiona.
Por isso estou aqui. Esse homem me ama. Por isso me prende, e não parece haver chance de me deixar ir. Ele gosta da minha canção. Ele me acha belo. Ele me quer. Ele diz que me protege, que cuida de mim e que quer meu bem. Diz que vai me deixar longe de qualquer perigo. Ele não pergunta o que quero, porque não entende o que digo, tampouco é capaz de perceber que meu canto desde a gaiola é triste.
E daqui vejo a janela, e depois da janela o jacarandá. Faz alguns dias que floriu. Suas flores de cor transmutadora são o mais próximo de prazer que posso conseguir. Seu perfume sutil acende em mim um desejo que jamais se realizará enquanto houver estas finas barras de aço entre eu e ele. Seria verdadeiramente livre se estivesse pousado a um galho desta árvore.
Mas existem grades. De vez quando vejo a Morte passar pela janela, entre eu, em minha gaiola, e o jacarandá. Ela sorri, acena e dá bom dia. Quando olho para ela, logo penso que sua carícia mortal poderia me dar asas que metal algum aprisionaria. Assim, libertado da gaiola e do corpo, poderia abraçar o jacarandá mimoso com todo amor que guardei durante tanto tempo. Por isso, pergunto a ela, à Morte, quase exasperado, quando ela me vem levar.
Mas, como sua visita é sempre rápida e indefinitiva, ela apenas sorri, vira as costas e some.

Fonte: http://static.panoramio.com/photos/

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