sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

O assalto, ou Da condição social, ou O virar da mesa

Ele me pegou pelo braço, com força. No primeiro momento pensei ser um amigo fazendo algum tipo de brincadeira, mas quando me virei, constatei não conhecer o sujeito. Ligeiramente mais baixo que eu, moreno, cabelos compridos e corpo forte. Usava um boné, uma camiseta física, uma bermuda e chinelos de dedo. Lancei-lhe um olhar curioso, quando anunciou:
- Fica quietinho e me passa a carteira.
Meu olhar passou a ser de incredulidade. Um assalto? Naquela rua? Não era verdade. Mas quando ele levou a mão ao meu bolso, dei-me conta de que não era piada. Uma estranha, porém gostosa sensação de comicidade aflorou do fundo do meu ser. Sim, ele estava me assaltando. Ele abriu minha carteira.
- Cadê o dinheiro?
- Tá aí.
- Cadê o dinheiro?!
- Aí dentro.
Achou. Quatro reais. Por uma fração de segundo, uma fração de segundo que nos pareceu bem longa, ele ficou em silêncio. O olhar dele para as duas notas de dois era de desapontamento.
- Só isso?!
Aquela sensação de comicidade se transformou numa vontade inquieta de rir, que segurei frouxamente. Sim, havia apenas quatro reais na carteira, e outros quatro e alguns quebrados em moedas no meu bolso, o suficiente para voltar para casa.
- Só isso. - falei com um meio sorriso, que, creio, ele não percebeu.
Ele vasculhou minha carteira mais um pouco. Ele achava um cartão de plano de saúde aqui, um ingresso vencido ali... A cada objeto a vontade de rir crescia. Aquilo tinha de parar logo.
- E o celular?! Cadê teu celular?! - ele já estava um pouco alterado. E isto fez minha vontade de rir ficar insuportável.
- Não tenho...
- NÃO TEM?!
Aquilo já era demais. Quando dei por mim, estava rindo da cara do pobre coitado. E quando percebi sua surpresa ante minha reação, ri mais alto, um riso primal, debochado, malicioso, zombeteiro.
Não sei bem o que aconteceu. Minha carteira caiu da mão do sujeito. Em seguida ele saiu, com a cabeça baixa, nitidamente desanimado. Meu riso ecoava na rua quase vazia, um riso implacavelmente feroz. A cada gargalhada, ele parecia ficar menor, mais contraído, mais escurraçado pela minha nítida zombaria.
Tanto esforço, tanto nervosismo, para levar apenas quatro reais mirrados. Pobre coitado. Era mais fácil pedir.

Um comentário:

Helena Fernandes disse...

nossa! q coisa.
quem dera fosse sempre assim né?
gostei.

(: