quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Imolação

Ferido, com o nariz e vários dentes quebrados, um dos olhos fechado por um enorme e inchado hematoma, amarrado a uma cadeira e amordaçado, ele tentava gritar. Estava cego pela ardência nos olhos, causada pela gasolina, despejada sobre ele por seu algoz, do qual ainda não conseguira ver o rosto. Seu corpo todo doía, causando espasmos que só pioravam sua situação.
Risadas. Eram sinistras, vindas do fundo das entranhas, despertadas pelos instintos menos nobres. Entre uma e outra, um tapa numa das faces. O pavor se solidificava cada vez mais durante os momentos de silêncio, que eram gélidos e escuros. Aos poucos, ele pôde abrir os olhos.
A visão turva parecia enganá-lo. Por alguns instantes pensou reconhecer o rosto do homem que se encontrava em pé, logo a sua frente. Pôde divisar um sorriso malicioso em seus lábios, identificar a cor dos seus olhos, o formato do nariz, o corte do cabelo... Uma mão arrancara sua mordaça, e o rosto se aproximou.
Não acreditava no que via. Aquilo era um espelho. Só podia ser um espelho. TINHA QUE SER UM ESPELHO.
O rosto que via era o seu. Sorria com um sadismo que conhecia muito bem, pois era seu próprio sadismo. Não sabia se era pela chama do isqueiro que aquele seu reflexo segurava, mas seus olhos ardiam em fogo. Muito antes do isqueiro cair sobre o combustível, ele, a presa, lançava um grito desumano. Não existia ar nem cordas vocais o suficiente para expressar o pavor. Ele, o algoz, assistia entre gargalhadas enregelantes seu reflexo se consumindo entre as chamas, a destruição de toda a razão, o triunfo do instinto. As chispas, misturadas com as cinzas do corpo ardente, dançavam seu balé sinistro no ar frio. Não brilhavam mais que as brasas nos olhos do assassino que matara a si próprio com tamanha crueldade.


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